Moatize: Despedimentos da Vulcan "são estratégia"

No coração da província de Tete, a mineradora indiana Vulcan Moçambique, que opera as minas de carvão em Moatize, anunciou o despedimento de 350 trabalhadores. A decisão, comunicada em 14 de abril pelo comité sindical da empresa, foi justificada com base na Lei do Trabalho moçambicana, que permite rescisões por motivos estruturais, tecnológicos ou de mercado. Mas será que essa é toda a história? Um analista aponta para uma estratégia de redução de custos que pode privilegiar mão de obra barata, enquanto a comunidade local enfrenta as consequências sociais e ambientais dessa gigante da mineração.

O Impacto Social dos Despedimentos

Um Efeito Dominó nas Famílias

Joaquim Samo, engenheiro de minas e presidente do Colégio de Engenharia de Minas e Geotecnia de Moçambique, alerta para o impacto devastador dos despedimentos. “Estamos a ver apenas 350 pessoas, mas podemos multiplicar esse número por cinco, considerando uma família moçambicana média”, explica Samo. Com cada trabalhador sustentando, em média, cinco pessoas, cerca de 2.000 indivíduos podem ser diretamente afetados, sem contar dependentes secundários, como pais e avós.

Além disso, muitos desses trabalhadores enfrentam dívidas bancárias, agravando a pressão financeira. A decisão da Vulcan, portanto, não é apenas uma questão de números, mas uma crise social que pode desestabilizar a região.

Uma Estratégia de Custos?

Samo sugere que os despedimentos fazem parte de uma estratégia calculada para reduzir custos de produção. Desde que adquiriu as operações da Vale Moçambique em 2021 por 270 milhões de dólares, a Vulcan tem cortado despesas, incluindo contratos com subcontratadas. “Eles não estão a olhar para fatores de recursos humanos ou sociais”, critica o engenheiro. A suspeita é que a empresa planeie contratar mão de obra mais barata, aproveitando a alta procura por empregos na região, especialmente após o encerramento de outras mineradoras, como a ICVL.

Curiosamente, trabalhadores indianos da Vulcan, que recebem salários até dez vezes superiores aos dos moçambicanos, não foram afetados pelos cortes. Essa disparidade levanta questões sobre a equidade nas políticas da empresa.

Histórico Conturbado

Poluição Ambiental em Moatize

A Vulcan não é estranha a controvérsias. Desde que assumiu as minas de Moatize, a empresa enfrentou críticas por poluição ambiental. Nuvens de poeira de carvão, resultantes de detonações a céu aberto, têm afetado a qualidade do ar e da água em bairros próximos, como Chingodzi. Em dezembro de 2024, o tribunal administrativo de Tete ordenou a suspensão das operações em partes da mina e exigiu medidas para reduzir a poluição em 90 dias, após queixas de moradores e grupos ambientais.

Apesar de a Vulcan alegar uma política de “zero danos ao meio ambiente”, imagens de poeira espessa sobre Moatize contradizem essa narrativa. A empresa já foi sancionada por incumprimento de normas ambientais, o que reforça a percepção de que atua com pouca consideração pelas leis locais.

Acidentes e Condições de Trabalho

Além das questões ambientais, a Vulcan enfrentou críticas por condições de trabalho perigosas. Em julho de 2024, dois trabalhadores morreram em um acidente envolvendo um camião na mina, e uma série de incidentes graves foi atribuída a cortes de custos que comprometeram a segurança. Esses episódios alimentam a desconfiança de que a empresa prioriza lucros em detrimento do bem-estar dos trabalhadores e da comunidade.

O Contexto Econômico e Político

A decisão da Vulcan ocorre em um momento delicado para Moçambique. O setor de carvão, que gerou 2 bilhões de dólares em exportações em 2024, enfrenta uma queda nos preços globais, pressionando as mineradoras a reduzir custos. Além disso, a instabilidade política pós-eleitoral, com protestos que resultaram em pelo menos 278 mortes desde outubro de 2024, aumenta a tensão na região.

Apesar disso, a Vulcan projeta um aumento na produção, visando entre 50 e 52 milhões de toneladas de carvão em 2025, o que a coloca entre as maiores produtoras mundiais. Essa ambição contrasta com os cortes de pessoal, sugerindo que a empresa busca maximizar lucros às custas dos trabalhadores locais.

O Papel do Governo e dos Sindicatos

Samo apela a uma intervenção mais firme do Governo moçambicano e dos sindicatos. “Se a Direção do Trabalho e os sindicalistas da Vulcan forem sérios, essas pessoas não vão ser despedidas”, afirma. Ele defende que as autoridades devem garantir que a Vulcan cumpra as leis trabalhistas e ambientais, protegendo os direitos dos trabalhadores e da comunidade.

Conclusão: Um Chamado à Responsabilidade

Os despedimentos da Vulcan Moçambique em Moatize vão muito além de uma simples reestruturação. Eles revelam uma estratégia que privilegia lucros sobre pessoas, em um contexto de desafios econômicos, sociais e ambientais. Para os moradores de Moatize, a luta é dupla: contra a perda de empregos e contra a degradação do meio ambiente. Cabe agora ao Governo, aos sindicatos e à sociedade civil exigir que a Vulcan assuma sua responsabilidade social e ambiental, garantindo um futuro mais justo para a região.

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Sobre o autor: Suleimane Wague
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