A recente guerra comercial desencadeada pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, trouxe um terremoto ao mercado global de petróleo, e Angola está sentindo os tremores. Com o preço do barril despencando para US$ 65 — o menor em quatro anos —, o país, que depende fortemente da receita petrolífera, enfrenta um cenário de incertezas e possíveis revisões em seu orçamento. Mas o que isso significa para os angolanos? E há lições a serem aprendidas?
Tudo começou com o anúncio de “tarifas recíprocas” impostas por Trump, que chegaram a superar 100% para a China, maior compradora de petróleo angolano. A decisão causou pânico nos mercados internacionais, derrubando bolsas de valores e levando o preço do petróleo a uma queda brusca. Antes das tarifas, o barril era negociado a cerca de US$ 74; hoje, ronda os US$ 65, bem abaixo dos US$ 70 previstos no Orçamento Geral do Estado (OGE) de Angola.
Embora Trump tenha recuado, suspendendo as tarifas para todos os países exceto a China, o estrago já estava feito. Segundo Gabriel Lembe, especialista em mercado de petróleo, a instabilidade gerada pode reduzir a demanda global por petróleo, agravando a situação para países exportadores como Angola. “Se os preços continuarem abaixo dos US$ 70, Angola terá de revisar seu orçamento”, alerta Lembe em entrevista à DW África.
A queda no preço do petróleo significa menos receita para Angola, que mantém o mesmo nível de produção. Com isso, despesas planejadas para 2025 correm o risco de serem adiadas. “Várias faturas podem ficar por pagar por falta de liquidez”, explica Lembe. O problema é que o país já carrega um fardo pesado: uma dívida de mais de US$ 14 bilhões com a China e um empréstimo de US$ 4,5 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Para o funcionário público Miguel Neto, o cenário é desanimador. “Já estamos sofrendo, e com essas tarifas, piora. Nossa dívida com o FMI é enorme, e a alta do preço do gasóleo só complica”, desabafa. A preocupação de Neto reflete o sentimento de muitos angolanos, que temem um impacto direto no custo de vida.
A crise atual expõe, mais uma vez, a vulnerabilidade de Angola devido à sua dependência do petróleo, que responde por cerca de 90% das exportações do país. O empresário Sebastião Manuel, no entanto, vê a situação com um misto de pragmatismo e otimismo. “As famílias angolanas vão sofrer, mas para mim está bom”, diz, destacando a necessidade de diversificação econômica. “Angola precisa apostar em outros recursos. O petróleo alto só enche os bolsos dos ‘kotas’. Mesmo que o barril caia para US$ 10, está bom, porque força mudanças.”
A opinião de Manuel ecoa um debate antigo: a necessidade de Angola investir em setores como agricultura, turismo e tecnologia para reduzir sua dependência do “ouro negro”. A queda atual do petróleo pode ser o empurrão que o país precisa para acelerar essa transição.
O empréstimo do FMI, embora essencial para estabilizar as finanças angolanas, é visto por muitos como um “vilão”. As condições impostas pelo fundo, como ajustes fiscais e aumento de preços de combustíveis, pesam no bolso dos cidadãos. “Este é um país que só vai descendo para o pior”, lamenta Miguel Neto.
Por outro lado, a pressão financeira pode obrigar o governo a adotar medidas mais rigorosas de gestão. Revisões orçamentais, embora dolorosas, podem forçar uma reavaliação de prioridades, cortando gastos desnecessários e redirecionando recursos para áreas críticas, como saúde e educação.
A crise atual é um lembrete de que a economia angolana precisa de resiliência. A diversificação não é apenas uma ideia atraente — é uma questão de sobrevivência. Investir em energias renováveis, fortalecer a agricultura e explorar o potencial turístico do país são passos que podem reduzir a exposição às oscilações do mercado de petróleo.
Enquanto o governo e os cidadãos navegam por esse momento desafiador, a guerra comercial de Trump serve como um alerta: em um mundo interconectado, as decisões de uma nação podem reverberar milhares de quilômetros, afetando milhões de vidas.