YOUR CART
- No products in the cart.
Subtotal:
0,00 MT
BEST SELLING PRODUCTS
99,00 MT
Nairóbi, 10 de julho de 2025 – Em meio a uma onda de protestos antigovernamentais que abalam o Quénia, o presidente William Ruto adotou uma postura firme, defendendo as forças de segurança e prometendo não tolerar o que classificou como “anarquia disfarçada de manifestações pacíficas”. Em seu primeiro pronunciamento após os confrontos que resultaram em pelo menos 31 mortes, Ruto ordenou que a polícia adotasse medidas drásticas, incluindo disparar nas pernas de manifestantes envolvidos em saques ou vandalismo, segundo informações do African News. A declaração, feita durante uma visita oficial, intensifica a tensão em um país já marcado por confrontos violentos e denúncias de brutalidade policial.
Os protestos, que eclodiram com força na segunda-feira, 7 de julho, coincidem com a comemoração do Saba Saba, data histórica que marca o movimento de 1990 pela redemocratização do Quénia. Este ano, as manifestações ganharam um tom de revolta contra a administração de Ruto, acusado de má governança, corrupção e incapacidade de conter a crise econômica que assola o país. Segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quénia (KNCHR), os confrontos resultaram em 31 mortos, 107 feridos, 532 detenções e dois casos de desaparecimentos forçados.
A insatisfação popular, liderada principalmente por jovens da Geração Z, tem raízes em questões estruturais. Desde que assumiu o poder em 2022, Ruto enfrenta críticas por políticas econômicas que agravaram o custo de vida. A inflação, que atingiu 5,1% em maio de 2024, elevou os preços de alimentos e combustíveis, afetando diretamente a população, um terço da qual vive abaixo da linha da pobreza. A proposta de aumento de impostos, como o IVA de 16% sobre o pão e a taxação de veículos, desencadeou protestos em 2024, que culminaram na invasão do Parlamento e na retirada do projeto de lei após a morte de mais de 60 pessoas.
A resposta de Ruto aos protestos tem sido marcada por apoio irrestrito às forças de segurança. Durante um discurso em Nairóbi, o presidente declarou: “Vocês não podem intimidar a polícia. Não podem usar a força contra a polícia, nem insultá-la ou ameaçá-la. Vocês estão ameaçando nossa nação.” Ele acusou os manifestantes de tentar “derrubar” o governo antes das eleições de 2027, classificando as ações como tentativas de desestabilização política.
A repressão policial, no entanto, tem sido alvo de duras críticas. Organizações como a Anistia Internacional e a KNCHR denunciaram o uso de força letal, incluindo munições reais, balas de borracha, gás lacrimogêneo e canhões de água. Relatos apontam para a presença de “capangas” armados, supostamente coordenados com a polícia, que atacaram manifestantes pacíficos. Embaixadas ocidentais, incluindo as dos Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, condenaram o uso de policiais à paisana e grupos armados para reprimir protestos.
Um caso emblemático foi a morte do blogueiro Albert Omondi Ojwang, de 31 anos, sob custódia policial, após ser detido por suposta difamação. Sua morte, no final de junho, intensificou a indignação pública e alimentou novas manifestações. Seis pessoas, incluindo três policiais, foram acusadas de assassinato, mas todos se declararam não culpados.
Os protestos têm causado um impacto significativo na imagem do Quénia, tradicionalmente visto como um bastião de estabilidade na África Oriental. A violência, os saques e a destruição de comércios em Nairóbi e outras cidades, como Mombasa e Kisumu, expõem as tensões sociais e econômicas. A suspensão da cobertura televisiva ao vivo e a restrição ao aplicativo Telegram, ordenadas pelo governo, geraram acusações de censura e violações à liberdade de expressão.
Internacionalmente, o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, pediu uma investigação independente sobre as mortes, enquanto a Anistia Internacional e outras ONGs criticaram as “execuções extrajudiciais” e os desaparecimentos forçados. A crise também afeta a economia queniana, com a agência Moody’s rebaixando a nota de crédito do país para “lixo” devido à crescente dívida pública, que atinge 70% do PIB.
Os jovens, que lideram as manifestações, expressam frustração com a falta de oportunidades econômicas, o desemprego (que atinge quase 60% da população jovem, segundo o governador de Trans Nzoia, George Natembeya) e a corrupção sistêmica. “Estamos marchando contra a brutalidade policial, contra a opressão, contra os impostos elevados, contra tudo o que está errado neste país”, afirmou Anthony, um manifestante de 25 anos, em entrevista à AFP.
A hashtag #RutoMustGo ganhou força nas redes sociais, refletindo o descontentamento com o presidente, que chegou ao poder prometendo progresso econômico, mas enfrenta uma economia estagnada e denúncias de má gestão. A ativista Hanifa Adan, uma das vozes da Geração Z, celebrou a pressão popular que levou à demissão de quase todo o gabinete de Ruto em julho de 2024, mas os protestos continuam, exigindo mudanças mais profundas.
Enquanto o governo tenta conter a crise com medidas de austeridade e promessas de diálogo, a confiança da população parece abalada. A repressão policial e as restrições à liberdade de expressão intensificam o clima de desconfiança. Para analistas como Javas Bigambo, o risco de grupos políticos explorarem a instabilidade para fomentar mais violência é alto, e a liderança de Ruto enfrenta seu maior teste desde 2022.
O Quénia, com cerca de 55 milhões de habitantes, permanece em um momento crítico. A resolução da crise dependerá da capacidade do governo de responder às demandas por justiça social, transparência e oportunidades econômicas, sem recorrer à violência que já custou tantas vidas.