Afrikaners nos EUA: Refugiados ou Polêmica Geopolítica?

Na segunda-feira, 12 de maio de 2025, um avião vindo de Joanesburgo pousou em Washington, DC, trazendo 59 sul-africanos brancos. Esse grupo, composto majoritariamente por afrikaners, marca a primeira onda de beneficiados por um controverso programa de reassentamento promovido pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Alegando que essa comunidade enfrenta “discriminação racial” na África do Sul, Trump assinou uma ordem executiva em fevereiro, desencadeando meses de atritos diplomáticos com o governo sul-africano, que nega veementemente as acusações. Mas quem são os afrikaners, e o que está por trás dessa narrativa de “refugiados”? Vamos mergulhar na história.

Quem São os Afrikaners?

Os afrikaners são descendentes de colonos europeus — principalmente holandeses, franceses huguenotes e alemães — que se estabeleceram no sul da África a partir de 1652. Durante séculos, dominaram a política e a agricultura do país, especialmente durante o apartheid (1948-1994), regime segregacionista que os teve como principal pilar ideológico. Hoje, representam cerca de 5% da população sul-africana, aproximadamente 2,7 milhões de pessoas, e falam majoritariamente o africânder, uma língua derivada do holandês.

Apesar de sua influência histórica, os afrikaners enfrentam um cenário complexo na África do Sul pós-apartheid. O Congresso Nacional Africano (CNA), no poder desde 1994, implementou políticas para corrigir desigualdades raciais, como a recente lei de expropriação de terras sem indenização, voltada para propriedades improdutivas ou adquiridas de forma fraudulenta no passado. Para Trump e figuras como Elon Musk, essas medidas configuram uma ameaça aos direitos dos brancos. Musk, nascido em Pretória, chegou a falar em “genocídio branco”, uma narrativa que ganhou eco entre conservadores nos EUA, como Peter Thiel e membros da chamada “Máfia do PayPal”.

A Narrativa de “Discriminação Racial”

A ordem executiva de Trump cita dois pontos principais: a expropriação de terras e a suposta “matança em larga escala de agricultores brancos”. No entanto, o governo sul-africano, liderado pelo ministro das Relações Exteriores, Ronald Lamola, rejeita essas alegações. Dados oficiais indicam que, em 2024, houve 44 homicídios em áreas rurais, com apenas oito vítimas sendo agricultores — números que, segundo o Instituto Sul-Africano de Relações Raciais (SAIRR), não sustentam a tese de um “genocídio”. A violência, dizem especialistas, está mais ligada a roubos e disputas trabalhistas do que a questões raciais.

Ryan Cummings, analista da Signal Risk, reforça que os afrikaners não enfrentam marginalização coletiva por sua raça ou cultura. “Eles ainda estão no topo da escala socioeconômica”, observa, destacando que políticas de ação afirmativa do CNA buscam equilibrar desigualdades históricas, não punir brancos. Contudo, cânticos como “Kill the Boer”, entoados por figuras como Julius Malema, líder dos Combatentes pela Liberdade Econômica, alimentam temores entre setores afrikaners mais conservadores, que enxergam um ressurgimento do nacionalismo negro.

Tensões Geopolíticas em Jogo

A chegada dos afrikaners aos EUA não é apenas uma questão humanitária — é um movimento geopolítico. A África do Sul, que recentemente levou Israel à Corte Internacional de Justiça por supostas violações em Gaza, tornou-se um alvo incômodo para Washington, aliado de Tel Aviv. Cummings sugere que Trump usa o programa de reassentamento para deslegitimar o governo sul-africano: “Ele quer mostrar que um país que acusa Israel de genocídio viola os direitos de seus próprios cidadãos.”

As relações bilaterais já estavam abaladas. Em março, os EUA expulsaram o embaixador sul-africano Ebrahim Rasool, acusado de ser um “agitador racial”. A África do Sul, por sua vez, vê a narrativa de Trump como uma distorção motivada por interesses políticos internos nos EUA, especialmente em ano eleitoral.

Como a África do Sul Vê o Programa

Na África do Sul, o programa de Trump é recebido com uma mistura de ceticismo e sarcasmo. Para muitos, os afrikaners que buscam asilo nos EUA são vistos como resistentes à ideia de uma sociedade multirracial. “Eles procuram uma utopia onde não precisem conviver com sul-africanos negros”, diz Cummings. Ele aponta que alguns afrikaners, especialmente os mais jovens, sentem-se injustiçados por “pagar” pelos pecados do apartheid, mas a maioria da população sul-africana abraça a visão de um país diverso.

Curiosamente, há quem veja a emigração de certos afrikaners como positiva. “Muitos sul-africanos acham que o país ficará melhor sem aqueles que não querem participar da construção de uma nação multirracial”, explica Cummings. Desde o decreto de Trump, mais de 70 mil sul-africanos brancos expressaram interesse em emigrar, segundo a Câmara de Comércio Sul-Africana em Atlanta.

Um Debate que Divide

A chegada dos 59 afrikaners a Washington reacende um debate global sobre racismo, privilégios históricos e narrativas políticas. Para alguns, eles são vítimas de injustiças em um país que ainda lida com as cicatrizes do apartheid. Para outros, sua saída reflete uma recusa em aceitar a nova realidade sul-africana. O que é inegável é que o programa de Trump joga lenha em uma fogueira geopolítica, enquanto a África do Sul segue buscando equilíbrio entre justiça histórica e convivência pacífica.

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Sobre o autor: Suleimane Wague
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