Em um cenário de crescente tensão em Moçambique, o autarca de Quelimane, Manuel de Araújo, lançou um desafio direto ao Presidente Daniel Chapo: permita que organizações internacionais, como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, investiguem os crimes cometidos pelas forças de segurança durante os protestos pós-eleitorais de 2024. O apelo surge após o baleamento do músico Joel Amaral, conhecido como MC Trufafa, em um ataque que chocou a nação e reacendeu o debate sobre a violência policial e a liberdade de expressão.
No domingo, 13 de abril de 2025, Joel Amaral, funcionário municipal e músico aliado do líder oposicionista Venâncio Mondlane, foi baleado em Quelimane, na província da Zambézia. O ataque, descrito por Araújo como um “ato bárbaro”, ocorreu quando Amaral pedalava sua bicicleta no bairro Cualane 2.º. Uma bala atingiu seu couro cabeludo, mas, por sorte, não penetrou o crânio. Após semanas em cuidados intensivos, o músico recebeu alta, mas declarou à imprensa: “A democracia está longe para Moçambique. Se você tem uma opinião diferente, será perseguido”.
Araújo, que expressou “dor e consternação” pelo ataque ao “colega e irmão”, alertou para um padrão alarmante de violência. Segundo ele, as forças de segurança, ou grupos ligados a elas, têm promovido uma “caça ao homem” em vários distritos da província, com relatos de assassinatos, maus-tratos e intimidação. “Há uma espécie de terror em Quelimane”, afirmou o autarca, acusando os chamados “esquadrões da morte” de violarem a Constituição moçambicana ao assumirem o papel de juízes e carrascos.
Em entrevista à DW, Manuel de Araújo foi incisivo: “Se o chefe de Estado não teme, que permita a vinda de instituições como a Comissão da ONU para os Direitos Humanos e a Inter Watch para ouvir os depoimentos e fazer seu trabalho sem impedimentos”. Ele revelou que organizações internacionais solicitaram permissão para investigar os abusos desde outubro de 2024, mas, quatro meses depois, as autoridades moçambicanas ainda não responderam. “Quem não deve não teme”, desafiou Araújo, cobrando transparência do governo.
O autarca, que esteve recentemente em Lisboa, também criticou a lentidão na resposta às vítimas. Um exemplo é o caso de uma mulher atropelada por um veículo militar, cujas contas hospitalares foram pagas pelo exército, mas sem oferta de indenização. Outro caso envolve um homem espancado sob custódia, que apresentou queixa em janeiro de 2025, mas ainda aguarda resposta.
A Amnistia Internacional reforçou o apelo por investigações independentes em seu relatório “Protestos sob Ataque: Violações dos Direitos Humanos Durante a Vaga de Repressão Após as Eleições de 2024”, lançado em 16 de abril de 2025. O documento, baseado em 105 vídeos e fotos verificados, 28 entrevistas e análises de fontes abertas, detalha a repressão brutal das forças de segurança moçambicanas após as eleições de 9 de outubro de 2024.
Segundo o relatório, a polícia usou armas letais, gás lacrimogêneo e balas de borracha contra manifestantes e transeuntes, incluindo crianças, resultando em mortes ilegais e ferimentos graves, como fraturas, hemorragias internas e problemas respiratórios. As autoridades também realizaram prisões arbitrárias em massa, intimidaram jornalistas, confiscaram equipamentos e restringiram o acesso à internet em momentos críticos.
Miguel Marujo, diretor de Comunicação da Amnistia Internacional Portugal, classificou o ataque a Joel Amaral como “um reforço da necessidade de investigações independentes”. Ele destacou que a pacificação do país depende da garantia de liberdade de expressão e da proteção às vozes da oposição. “Embora cuidados médicos e indenizações sejam necessários, a responsabilização exige julgamentos justos após investigações transparentes”, afirmou Marujo à DW.
A violência em Moçambique escalou após as eleições gerais de 2024, quando o partido PODEMOS e seu candidato, Venâncio Mondlane, denunciaram fraudes em favor da Frelimo e de Daniel Chapo. Protestos eclodiram em 21 de outubro, espalhando-se pelo país até a posse de Chapo, em 15 de janeiro de 2025. A Amnistia Internacional estima que mais de 353 pessoas morreram desde então, com a maioria das mortes atribuída às forças de segurança. Mais de 700 pessoas foram feridas, e milhares foram detidas arbitrariamente, muitas sofrendo tortura.
Em 22 de janeiro de 2025, Chapo prometeu investigar as mortes de civis e policiais, mas, segundo a Amnistia, as vítimas ainda não viram justiça. Em 4 de fevereiro, o procurador-geral, Américo Julião Letela, anunciou a abertura de 651 processos penais e civis relacionados aos protestos, mas detalhes não foram divulgados. Khanyo Farisè, diretora regional adjunta da Amnistia para a África Oriental e Austral, criticou a falta de compromisso do governo: “A repressão foi desproporcionada e vergonhosa. A justiça exige investigações completas”.
O baleamento de MC Trufafa é mais um capítulo em uma série de ataques contra apoiantes da oposição. Em outubro de 2024, o assessor jurídico de Mondlane, Elvino Dias, e o mandatário do PODEMOS, Paulo Cuambe, foram assassinados a tiros em Maputo, em um crime que permanece sem solução. Esses incidentes alimentam a percepção de que Moçambique está longe de ser uma democracia plena, como afirmou Joel Amaral.
Manuel de Araújo e a Amnistia Internacional concordam: a solução passa por investigações independentes e pela responsabilização dos culpados. Enquanto o governo de Chapo não responder a esses apelos, a tensão em Quelimane e em todo o país continuará a crescer, ameaçando a estabilidade e os direitos fundamentais dos moçambicanos.