Moçambique enfrenta mais um escândalo que lança luz sobre as relações obscuras entre o poder político, o judiciário e interesses empresariais. A Luxoflex, empresa de mobiliário escolar supostamente pertencente a Cláudia Nyusi, filha do ex-presidente Filipe Nyusi, à filha de Margarida Talapa, presidente do Parlamento, e vinculada a Lúcia Ribeiro, presidente do Conselho Constitucional, está no centro de uma controvérsia envolvendo uma dívida de quase 305 milhões de meticais (cerca de 4,8 milhões de dólares) ao Banco Comercial e de Investimentos (BCI). Um anúncio do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, datado de 26 de março de 2025, mas tornado público apenas recentemente, decretou uma ordem de execução contra a Luxoflex, Hipólito Michel Ribeiro Amad Ussene e a Mitra Energy.
A notícia, amplamente discutida em plataformas como a DW, tem gerado indignação entre a sociedade moçambicana, que vê no caso um exemplo gritante de promiscuidade entre elites políticas e judiciais. Mas o que torna este caso tão grave, e por que ele ressoa tão profundamente em um país já marcado por denúncias de corrupção?
O cerne do escândalo está nas conexões entre os envolvidos. A Luxoflex, que já esteve no centro de polêmicas em 2018, quando forneceu 90 mil carteiras escolares para a província de Nampula, é apontada como um exemplo de conflito de interesses. Na época, a entrega das carteiras pelo então presidente Filipe Nyusi foi criticada pelo Centro de Integridade Pública (CIP), que destacou que a empresa pertencia à sua filha, Cláudia, configurando uma clara sobreposição entre interesses públicos e privados.
Agora, a situação se agrava com a revelação de que a empresa acumula uma dívida milionária, enquanto figuras como Lúcia Ribeiro e Margarida Talapa, ambas ligadas à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), têm familiares associados ao negócio. Baltazar Fael, pesquisador do CIP, alerta para a gravidade dessas conexões: “Quando membros do judiciário e do partido no poder estão ligados a empresas envolvidas em escândalos, a transparência dos processos, incluindo os eleitorais, é comprometida.”
Fael aponta ainda para a recente polêmica eleitoral, em que Lúcia Ribeiro, como presidente do Conselho Constitucional, validou resultados favoráveis à FRELIMO, apesar de denúncias de fraude. A suspeita de favorecimento levanta questões sobre a imparcialidade do sistema judicial e reforça a percepção de que o topo do poder opera sem auto-regulação.
Para o economista João Mosca, do Observatório do Meio Rural, o caso da Luxoflex não pode ser reduzido a simples má gestão. “Não se trata de erro administrativo. É corrupção pura,” afirma. Segundo ele, empresas como a Luxoflex muitas vezes funcionam como “fantasmas”, sem estrutura organizacional ou financeira sólida, criadas apenas para canalizar recursos públicos. “Essas empresas não têm gestão própria, não têm organização, não têm financiamento. São montadas para desviar dinheiro,” explica Mosca.
A dívida de 305 milhões de meticais ao BCI reforça essa narrativa. Mosca duvida que a Luxoflex tenha capacidade de pagar o montante, sugerindo que os recursos já podem ter sido transferidos para outros fins ou enviados ao exterior. “Se a empresa possui esse dinheiro, ele já foi aplicado em algum lugar ou mandado para fora,” sentencia.
Além das implicações financeiras e políticas, o escândalo tem um impacto direto na educação moçambicana. Em 2018, a entrega das 90 mil carteiras foi apresentada como uma solução para a falta de mobiliário escolar em Nampula, onde mais da metade dos alunos estudava sentada no chão. No entanto, Baltazar Fael revela que a realidade permanece sombria: “Se formos ao terreno, vemos que as crianças continuam a sentar-se no grounding. Os dirigentes ganham concursos milionários, mas não cumprem o objetivo.”
Essa falha é particularmente dolorosa em um país onde a infraestrutura educacional é precária. Fael lamenta: “As crianças veem camiões carregados de madeira passando, enquanto elas permanecem sem carteiras. Isso dói para qualquer moçambicano.”
Apesar da gravidade do caso, a responsabilização parece improvável. Moçambique possui legislações como a Lei de Probidade Pública, que regula conflitos de interesse, e o Código Penal, que penaliza crimes de corrupção. No entanto, Fael destaca que essas leis são aplicadas de forma seletiva, mirando principalmente funcionários de baixo escalão. “Os que estão no topo não se auto-regulam. Não há códigos de conduta específicos para ministros ou juízes,” critica.
Essa falta de regulação no alto escalão cria um ambiente de impunidade, onde escândalos como o da Luxoflex se repetem sem consequências. “O país precisa ser reiniciado,” defende Fael, apontando para a necessidade de reformas estruturais que promovam transparência e responsabilidade.
O desfecho do caso na justiça é incerto. João Mosca não acredita que a Luxoflex tenha recursos para quitar a dívida, e a percepção de promiscuidade entre o judiciário e o poder político sugere que o processo pode se arrastar sem punições significativas. Enquanto isso, a sociedade moçambicana continua a lidar com as consequências de um sistema que privilegia elites em detrimento do bem público.
O escândalo da Luxoflex não é apenas uma questão financeira — é um reflexo de desafios mais profundos que Moçambique enfrenta: corrupção sistêmica, falta de transparência e desigualdade. Para os leitores da Origamy Inc., fica a pergunta: até quando as crianças moçambicanas continuarão sentadas no chão, enquanto as elites acumulam dívidas e privilégios?