A cimeira da NATO em Haia, realizada a 25 de junho de 2025, prometia ser um marco de unidade entre os 32 membros da Aliança Atlântica, mas acabou por revelar tensões profundas, com Espanha no epicentro de uma controvérsia que envolve desde ameaças de tarifas por parte de Donald Trump até ironias de líderes europeus. O motivo? A recusa espanhola em aderir à meta de 5% do PIB em gastos de defesa, proposta impulsionada pelo presidente norte-americano e aprovada pela maioria dos aliados. Enquanto Pedro Sánchez defende que 2,1% é suficiente, as críticas multiplicam-se, e o verniz parece ter estalado na relação entre Espanha e os seus parceiros da NATO.
Donald Trump não poupou palavras ao abordar a posição espanhola. Durante uma conferência de imprensa em Haia, o presidente norte-americano classificou a atitude de Espanha como “terrível”, destacando que é o único país da NATO que se recusa a cumprir a nova meta de 5% do PIB em despesas de defesa. “Eles querem ficar-se pelos 2%. Creio que é terrível. A economia está muito bem, mas essa economia pode afundar-se por completo se algo de errado acontecer”, afirmou Trump, ameaçando impor tarifas comerciais que fariam Espanha “pagar o dobro”.
A crítica de Trump não é nova. Durante a sua campanha eleitoral em 2024, o presidente já havia sugerido que os EUA poderiam não defender aliados que não cumprissem as metas de gasto militar. Agora, com a economia espanhola em destaque, Trump vê a resistência de Sánchez como uma afronta à unidade da NATO, especialmente num momento em que a ameaça russa e as tensões globais justificam, segundo ele, um aumento significativo nos orçamentos militares.
O secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, reforçou o tom crítico, apontando para os “profundos desafios políticos internos” de Espanha. Rubio destacou a instabilidade do governo de centro-esquerda de Sánchez, sugerindo que a relutância em aumentar os gastos militares reflete uma postura ideológica que prioriza outras áreas, como o estado social, em detrimento da defesa.
Pedro Sánchez, primeiro-ministro espanhol, mantém-se firme na sua posição. Em carta enviada ao secretário-geral da NATO, Mark Rutte, Sánchez argumentou que comprometer-se com a meta de 5% seria “irrazoável e contraproducente”, comprometendo o sistema de bem-estar social, forçando aumentos de impostos ou desviando fundos de áreas como a transição verde. Em vez disso, Sánchez propôs que Espanha alcance os objetivos militares da NATO com um investimento de 2,1% do PIB, um valor que considera “suficiente, realista e compatível” com as prioridades do país.
Para Sánchez, a decisão também reflete a realidade económica e política de Espanha. O país tem uma indústria de defesa própria, o que reduz os custos de aquisição de equipamentos em comparação com outros aliados que dependem de compras externas. Além disso, a coligação governamental com o partido de esquerda Sumar, que se opõe a aumentos significativos nos gastos militares, limita a margem de manobra de Sánchez.
A Espanha conseguiu uma concessão importante: a linguagem do comunicado final da cimeira foi alterada de “nós comprometemo-nos” para “os aliados comprometem-se”, permitindo a Madrid afirmar que a meta de 5% não é obrigatória para todos. Rutte, numa carta a Sánchez, confirmou que Espanha terá “flexibilidade para determinar o seu próprio caminho soberano” para cumprir os objetivos da NATO.
A posição espanhola não passou despercebida entre os aliados europeus, alguns dos quais não hesitaram em expressar desagrado. O primeiro-ministro belga, Bart De Wever, foi particularmente cáustico, ironizando que, se Sánchez conseguisse cumprir os objetivos da NATO com apenas 2,1% do PIB, seria “um génio” cuja “genialidade inspira”. De Wever sublinhou que os cálculos da NATO indicam a necessidade de 3,5% do PIB em gastos militares diretos, rejeitando qualquer tratamento especial para Espanha.
O vice-presidente do governo italiano, Antonio Tajani, adotou um tom mais moderado, mas ainda assim insistiu que “Espanha tem de respeitar as normas” estabelecidas em Haia. Tajani reconheceu, no entanto, que os critérios de flexibilidade propostos por Rutte são “razoáveis”, sugerindo uma abertura para acomodar as preocupações espanholas, desde que dentro do acordado.
Por outro lado, o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, tem mantido uma postura discreta sobre o assunto, evitando comentários diretos sobre a posição espanhola. Portugal, tal como a Bélgica, comprometeu-se a alcançar os 3,5% em 10 anos, alinhando-se com a maioria dos aliados.
No centro da polémica está Mark Rutte, secretário-geral da NATO, que tem enfrentado o desafio de manter a coesão da Aliança enquanto lida com as exigências de Trump e as resistências de países como Espanha. Rutte, que já foi acusado de ser demasiado conciliador com Trump, defendeu a meta de 5% como essencial para enfrentar a crescente ameaça russa, especialmente após a invasão da Ucrânia em 2022. A sua proposta divide o objetivo em 3,5% para gastos militares diretos e 1,5% para investimentos em infraestruturas, cibersegurança e mobilidade militar.
Rutte tem recorrido a uma diplomacia cuidadosa, incluindo mensagens elogiosas a Trump, que chegou a divulgar publicamente, para garantir o apoio dos EUA à Aliança. Durante a cimeira, Rutte afirmou que “podemos concordar em discordar” com Espanha, mas insistiu que os 3,5% são o mínimo necessário para todos os aliados cumprirem os objetivos militares da NATO.
A sua abordagem gerou críticas, com um jornalista espanhol a apelidá-lo de “vassalo” de Trump, uma acusação que Rutte rejeitou, defendendo a sua amizade com o presidente norte-americano e o sucesso da cimeira.
A cimeira de Haia, embora considerada “transformacional” por alguns líderes, como o presidente finlandês Alexander Stubb, expôs fissuras na unidade da NATO. A resistência de Espanha, combinada com as ameaças de Trump de impor tarifas e a crescente pressão para apoiar a Ucrânia, sugere que a Aliança enfrenta desafios complexos.
Enquanto Sánchez defende a soberania espanhola na definição das suas prioridades, a NATO avança com um compromisso de aumentar os gastos de defesa até 2035, com uma revisão prevista para 2029. Resta saber se as tensões com Espanha serão resolvidas ou se continuarão a alimentar críticas e ironias, numa altura em que a Aliança procura afirmar-se como uma força “mais forte, mais justa e mais letal”.