Em uma história que parece tirada de um filme de aventura, Tim Friede, um especialista autodidata em serpentes da Califórnia, dedicou quase 18 anos de sua vida a um experimento arriscado: injetar-se com venenos de algumas das cobras mais letais do mundo, como najas, mambas e cascavéis. Ele chegou até a permitir mordidas de cobras venenosas. O que começou como um ato que muitos chamariam de loucura transformou-se em uma contribuição revolucionária para a medicina. Graças ao sangue de Friede, pesquisadores desenvolveram um antiveneno capaz de proteger contra 19 espécies de cobras venenosas, um avanço que pode salvar inúmeras vidas.
Em 2017, o imunologista Jacob Glanville, CEO da empresa de biotecnologia Centivax, deparou-se com reportagens sensacionalistas sobre Friede. “Cara maluco é mordido por cobras”, diziam os títulos. Mas Glanville viu além do sensacionalismo. “Havia um diamante bruto ali”, ele conta. Intrigado, entrou em contato com Friede, que, para sua surpresa, estava esperando por essa oportunidade. “Finalmente, estava esperando por essa ligação”, respondeu Friede.
A parceria entre os dois resultou na doação de 40 mililitros de sangue de Friede, que continha anticorpos únicos desenvolvidos ao longo de seus anos de exposição a venenos. Esses anticorpos se tornaram a base de um estudo conduzido por Glanville e Peter Kwong, professor da Universidade Columbia, publicado na revista Cell em 2025.
O antiveneno desenvolvido pela equipe é um coquetel inovador composto por dois anticorpos extraídos do sangue de Friede e um medicamento de molécula pequena chamado varespladib. Testado em camundongos, o coquetel ofereceu:
100% de proteção contra o veneno de 13 espécies de cobras elapídeas, como najas e mambas.
Proteção parcial (20% a 40%) contra outras seis espécies.
O anticorpo principal, LNX-D09, neutralizou o veneno de seis espécies sozinho. Com a adição do varespladib, que inibe uma enzima presente em 95% das picadas de cobra, a proteção se expandiu. Um segundo anticorpo, SNX-B03, também isolado de Friede, completou o coquetel, alcançando as 19 espécies.
O farmacologista Steven Hall, da Universidade de Lancaster, que não participou do estudo, elogiou a abordagem: “É uma maneira muito inteligente e criativa de desenvolver um antiveneno”. Ele destaca que, por usar anticorpos humanos, o coquetel pode reduzir reações alérgicas comuns em antivenenos tradicionais, que são produzidos a partir de cavalos.
Tim Friede não é um cientista convencional. Durante 17 anos e nove meses, ele se expôs a venenos de cobras de diferentes continentes, mantendo registros meticulosos de cada injeção. Sua imunidade a várias neurotoxinas foi construída com paciência e coragem, mas também com momentos críticos que o levaram a interromper os experimentos em 2018. Hoje, Friede trabalha na Centivax, contribuindo para o avanço da pesquisa que ele ajudou a tornar possível.
Glanville faz um alerta: “Desencorajamos fortemente qualquer pessoa a tentar fazer o que Tim fez. Veneno de cobra é perigoso”. A história de Friede é única, mas sua imprudência controlada abriu portas para a ciência.
Se você for mordido por uma cobra venenosa, o tempo é crucial. Aqui estão algumas orientações:
Mantenha a calma: Evite pânico para não acelerar a circulação do veneno.
Imobilize a área afetada: Mantenha o membro mordido na altura do coração, se possível.
Procure ajuda médica imediatamente: Ligue para o serviço de emergência ou vá ao hospital mais próximo.
Não aplique torniquetes ou corte a ferida: Isso pode piorar a situação.
O antiveneno tradicional, produzido desde a era vitoriana injetando veneno em cavalos, tem salvado vidas, mas é limitado. O novo coquetel, se aprovado para uso humano, pode revolucionar o tratamento ao oferecer proteção mais ampla e menos efeitos colaterais.
Embora o coquetel atual seja eficaz contra cobras elapídeas, a equipe já planeja expandir a pesquisa para cobras viperídeas, como cascavéis e víboras. O objetivo é criar um “pan-antiveneno” universal ou dois coquetéis separados: um para elapídeas e outro para viperídeas. Testes de campo na Austrália, onde predominam cobras elapídeas, estão nos planos, começando com aplicações veterinárias em cães.
Peter Kwong, da Universidade Columbia, acredita que o impacto pode ser global: “Se chegar às pessoas a longo prazo, seria revolucionário”. A combinação de anticorpos humanos com medicamentos de molécula pequena está redefinindo o campo do tratamento de picadas de cobra.
A jornada de Tim Friede, do risco extremo à colaboração científica, é um lembrete de como a curiosidade humana e a dedicação podem transformar o impossível em realidade. Seu sangue não apenas carrega anticorpos, mas também a promessa de um futuro onde picadas de cobra sejam menos aterrorizantes.
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