Em um cenário de crescente descontentamento social, o governo de Moçambique anunciou a redução das tarifas de portagens a partir de 15 de maio de 2025, uma medida que, em vez de aplausos, gerou críticas contundentes. Adriano Nuvunga, diretor do Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), não mediu palavras ao classificar a decisão como uma “migalha” jogada à população, que enfrenta uma deterioração alarmante nas condições de vida. Em entrevista à DW, Nuvunga foi além, exigindo a extinção das concessionárias Revimo e Trans African Concessions (TRAC), que ele acusa de serem “ilegais e corruptas”, servindo apenas para enriquecer as elites políticas às custas do povo. Enquanto isso, a presença da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) nas portagens tem intensificado tumultos, levantando questões sobre repressão e transparência.
As portagens em Moçambique, especialmente nas estradas geridas pela Revimo e TRAC, têm sido alvo de protestos há meses. A população, já sobrecarregada pelo alto custo de vida, vê essas taxas como um fardo desnecessário. A redução anunciada pelo governo, que inclui cortes de até 60% em algumas tarifas, segundo o Ministério dos Transportes e Logística, foi apresentada como uma tentativa de aliviar os custos operacionais do transporte público e dos moradores próximos às portagens. No entanto, a medida exclui automóveis ligeiros e camionistas em áreas urbanas como Maputo, onde a maioria dos usuários circula, e não afeta a polêmica portagem de Moamba, gerida pela TRAC.
Nuvunga argumenta que as portagens são, em si, uma prática ilegal, implementada sem consultas públicas e em violação de normas de transparência. Ele aponta que os contratos com Revimo e TRAC, assinados em 1997 e com término previsto para 2028, carecem de legitimidade e favorecem interesses elitistas. “É uma extorsão diária que encarece a vida da população”, afirmou, destacando que o Estado já cobra investimentos em infraestrutura por meio de financiamentos, como os de origem chinesa, tornando as taxas redundantes e abusivas.
A crítica mais grave de Nuvunga recai sobre a natureza corrupta das concessionárias. Ele descreve as portagens como um “esquema elitista” que beneficia apenas um pequeno grupo político, sem qualquer relação com o desenvolvimento nacional. A falta de esclarecimentos sobre os contratos, que contêm cláusulas de confidencialidade, alimenta suspeitas de irregularidades. “A forma como essas empresas surgiram viola a lei”, declarou Nuvunga, reforçando que a redução das tarifas é apenas uma manobra para acalmar os protestos, sem atacar a raiz do problema: a própria existência das portagens.
A sociedade civil, representada por organizações como o CDD, exige a extinção imediata de Revimo e TRAC, além de investigações públicas sobre os acordos firmados. A ausência de diálogo e a repressão policial nas portagens, com a presença ostensiva da UIR, agravam a tensão. “Hoje, a portagem da TRAC era intransitável por causa da UIR, que estava lá para amedrontar”, relatou Nuvunga, apontando episódios de intimidação contra motoristas que não podiam pagar as taxas.
Os protestos contra as portagens, que ganharam força após as eleições de outubro de 2024, refletem um descontentamento mais amplo com a governança em Moçambique. A violência policial, especialmente por parte da UIR, tem sido uma constante. Relatos de uso de gás lacrimogêneo, balas de borracha e até armas letais contra manifestantes são frequentes, com centenas de mortes registradas desde o início da crise pós-eleitoral. A repressão não apenas intensifica os conflitos, mas também reforça a percepção de que o governo prioriza os interesses das elites em detrimento da população.
A redução das tarifas, longe de apaziguar os ânimos, parece ter reacendido a revolta. Muitos moçambicanos, como Nuvunga, veem a medida como uma tentativa de “atirar areia para os olhos”, uma expressão popular que resume a desconfiança generalizada em relação às intenções do governo. A comparação com a suposta redução no preço dos combustíveis, que também foi criticada por sua ineficácia, reforça essa narrativa.
Para Nuvunga e a sociedade civil, a solução não está em ajustes cosméticos, mas em mudanças estruturais. A extinção das portagens, a investigação dos contratos com Revimo e TRAC e a garantia de transparência são demandas centrais. Além disso, há um apelo por uma governança que priorize o bem-estar da população, em um país onde a pobreza extrema e a desigualdade persistem, apesar de recursos naturais abundantes.
O governo, por sua vez, defende as portagens como “fundamentais” para a manutenção das infraestruturas, mas enfrenta dificuldades para justificar sua legitimidade diante das acusações de corrupção e da violência associada à sua imposição. Enquanto o diálogo não for estabelecido, a tensão nas ruas de Maputo e outras cidades deve continuar.
A redução das portagens em Moçambique, anunciada como uma conquista, revelou-se um paliativo que não convence. Para Adriano Nuvunga e a sociedade civil, a medida é uma “migalha” que mascara um sistema corrupto, sustentado por concessionárias como Revimo e TRAC. A luta por transparência, justiça e alívio econômico segue viva, mas a repressão policial e a falta de diálogo ameaçam agravar a crise. Em um país onde o povo “abriu o olho”, como diz a gíria local, o governo precisará de mais do que gestos simbólicos para recuperar a confiança.