O satélite que vai descobrir quanto a Amazônia 'pesa'

Imagine tentar contar e pesar mais de um trilhão e meio de árvores espalhadas por florestas tão densas que escondem seus segredos sob copas impenetráveis. Parece impossível, certo? Pois esse é o desafio que a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, impõe aos cientistas há décadas. Conhecida como os “pulmões da Terra”, ela armazena bilhões de toneladas de carbono, um aliado crucial na luta contra as mudanças climáticas. Mas, até agora, medir exatamente quanto carbono ela guarda era como tentar resolver um quebra-cabeça sem as peças principais. Isso mudou na terça-feira, 29 de abril de 2025, quando a Agência Espacial Europeia (ESA) lançou o satélite Biomass, uma inovação que promete revelar o verdadeiro “peso” da Amazônia.

O “Space Brolly” e Sua Missão Revolucionária

Apelidado carinhosamente de “space brolly” (guarda-chuva espacial, em tradução livre) por causa de sua antena de 12 metros de diâmetro, o Biomass foi lançado a bordo de um foguete Vega-C a partir da base da ESA em Kourou, na Guiana Francesa. Equipado com um radar de banda-P, ele é o primeiro de seu tipo a penetrar as copas das árvores e enxergar o que está escondido: troncos, galhos e o material lenhoso que guarda o carbono. “A maioria dos radares espaciais só vê o topo das florestas, como ramos e folhas. Mas, com um comprimento de onda mais longo, conseguimos ver as profundezas das árvores”, explica o Dr. Ralph Cordey, da Airbus, empresa que liderou a construção do satélite.

Essa tecnologia funciona como uma tomografia computadorizada da floresta. Passando repetidamente sobre áreas como a Amazônia, o Congo e as selvas da Indonésia, o Biomass cria imagens tridimensionais que revelam a quantidade de biomassa presente. Essa biomassa é um indicador direto de quanto dióxido de carbono — o principal vilão do aquecimento global — está armazenado. “Estamos tentando pesar o carbono em um trilhão e meio de árvores. Satélites são a única forma de fazer isso de maneira consistente”, diz o professor Mat Disney, da University College London.

Por Que Isso Importa?

As florestas tropicais são mais do que belas paisagens; elas são peças-chave no equilíbrio climático do planeta. Ao absorver CO2, ajudam a mitigar o aquecimento global. No entanto, o desmatamento — que na Amazônia atingiu 11.568 km² entre agosto de 2021 e julho de 2022, segundo o INPE — libera esse carbono de volta para a atmosfera, intensificando as mudanças climáticas. Até agora, os cientistas dependiam de medições manuais de árvores individuais, um processo lento e impreciso. O Biomass muda isso ao oferecer mapas anuais que mostram não só quanto carbono está armazenado, mas também quanto está sendo perdido pelo desmatamento.

Outro trunfo do Biomass é sua capacidade de “enxergar” através das nuvens, um problema constante em regiões tropicais. “Satélites como o Landsat são frequentemente bloqueados por nuvens, mas o radar de banda-P do Biomass atravessa essa barreira, garantindo dados consistentes”, explica o professor Disney. Esses mapas, que devem começar a ser produzidos em seis meses, serão atualizados por cinco anos, oferecendo uma visão inédita da saúde das florestas tropicais.

Um Passo à Frente na Ciência e na Conservação

O lançamento do Biomass não é apenas uma conquista tecnológica; é um marco para a ciência e a conservação. “Saber, pela primeira vez e com alta precisão, quanto carbono está armazenado na Amazônia, no Congo e na Indonésia é uma conquista monumental”, celebra o professor John Remedios, do Centro Nacional de Observação da Terra. Esses dados serão cruciais para monitorar compromissos globais, como o acordo assinado na COP26 por mais de cem países, incluindo o Brasil, para zerar o desmatamento até 2030.

Além disso, o Biomass ajudará a mapear a geologia e a topografia do subsolo, fornecendo dados sobre a biodiversidade e os impactos de atividades como mineração e agricultura. “Não entendemos completamente as mudanças que estão ocorrendo porque não temos estimativas precisas dos níveis de carbono. O Biomass vai mudar isso”, afirma Bjorn Rommen, cientista da missão.

Desafios e Esperanças

Apesar do otimismo, o projeto enfrenta desafios. As medições em solo continuarão sendo necessárias para validar os dados do satélite, e o desmatamento continua a crescer, desafiando metas globais. No Brasil, por exemplo, a Amazônia perdeu 5,2 milhões de hectares entre 2017 e 2021, segundo o projeto Sentinel-1 da ESA. Ainda assim, o Biomass oferece esperança. Ao fornecer dados precisos, ele pode pressionar governos e empresas a cumprir promessas de preservação e apoiar iniciativas como a restauração de florestas, que, segundo estudos, pode recuperar 80% do carbono em apenas 20 anos.

O Futuro da Amazônia e do Planeta

O Biomass é mais do que um satélite; é um símbolo de como a tecnologia pode iluminar o caminho para um futuro mais sustentável. Ao revelar o “peso” da Amazônia, ele nos lembra do papel vital das florestas tropicais e da urgência de protegê-las. Como disse o professor Remedios, “Estamos ansiosos para entender como nossas árvores contribuem para os processos que governam o planeta”. Com o Biomass no céu, a ciência está um passo mais perto de transformar essa curiosidade em ação.

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Sobre o autor: Suleimane Wague
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