Em Moçambique, o direito de manifestar-se, garantido pela Constituição, está sob ataque. A 8ª Esquadra da Polícia, no Porto de Maputo, transformou-se num símbolo de repressão, onde cidadãos detidos enfrentam tortura física e psicológica. A denúncia vem do Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), que aponta para um padrão alarmante de violações dos direitos humanos, com destaque para o caso de Luster Valentim, acusado de liderar protestos pós-eleitorais.
Adriano Nuvunga, diretor do CDD, não mede palavras: “A 8ª Esquadra está a tornar-se numa verdadeira máquina de abusos”. Em entrevista à DW África, ele revelou que Valentim e outros detidos sofrem violência sistemática, sem acesso a assistência médica ou jurídica. A situação é tão grave que a esquadra foi descrita como um local de “tortura diária”, onde jovens são punidos por exercerem um direito constitucional.
Luster Valentim foi detido sob a acusação de liderar manifestações contra supostas fraudes nas eleições de outubro de 2024. No entanto, como destaca Nuvunga, essas manifestações são um direito garantido pela Constituição moçambicana. “Estamos perante um contrassenso”, afirma. A detenção de Valentim não é um caso isolado, mas parte de uma campanha mais ampla de perseguição política, que inclui prisões arbitrárias e violência policial.
Segundo o CDD, a polícia não apenas negou acesso de advogados e ativistas aos detidos, mas também intensificou a repressão. “Depois de os torturarem, provavelmente irão levá-lo para outro lugar”, alerta Nuvunga. A falta de transparência e a obstrução à justiça agravam a crise, deixando as vítimas sem proteção.
Os protestos pós-eleitorais em Moçambique começaram em 21 de outubro de 2024, após o assassinato de duas figuras da oposição, Elvino Dias e Paulo Guambe. A resposta do governo foi marcada por violência extrema: relatórios da Plataforma Decide estimam que mais de 300 pessoas morreram e 600 ficaram feridas, muitas por ações policiais. A polícia usou balas reais, gás lacrimogéneo e até invadiu residências para agredir cidadãos.
Nuvunga aponta que muitas das manifestações foram, na verdade, reações à brutalidade policial. “A polícia matou aproximadamente 400 pessoas. Essas vítimas são familiares, sobrinhos, vizinhos das mesmas pessoas que hoje estão a ser perseguidas”, explica. Essa escalada de violência expõe um paradoxo: o Estado, que deveria proteger os cidadãos, tornou-se o principal agressor.
Diante da obstrução do acesso à justiça dentro de Moçambique, o CDD está documentando os casos para recorrer a instâncias internacionais, como a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos. “Se o Estado continuar a perpetrar violações e a bloquear a justiça, será necessário buscar mecanismos internacionais”, afirma Nuvunga.
Organizações como a Amnistia Internacional também têm denunciado a repressão. Um relatório recente da ONG documentou o uso de armas letais contra manifestantes pacíficos, resultando em mortes, ferimentos graves e detenções arbitrárias. Apesar das promessas do presidente Daniel Chapo de investigar as violações, as vítimas ainda aguardam justiça.
A crise na 8ª Esquadra é um reflexo de problemas mais profundos em Moçambique: a erosão dos direitos democráticos e a impunidade das forças de segurança. Para romper esse ciclo de violência, é essencial que o governo promova investigações transparentes e responsabilize os culpados. Enquanto isso, a sociedade civil moçambicana, apoiada por organizações internacionais, continua a lutar para dar voz às vítimas.
O caso de Luster Valentim não é apenas uma história de sofrimento — é um chamado à ação. Moçambique precisa escolher entre perpetuar a repressão ou construir um futuro onde a Constituição seja mais do que palavras no papel.